domingo, 19 de julho de 2009

DESCENDENTES DO POETA

Na carta (de 27/06/1948) do poeta Bingre a José Maria da Costa e Silva (transcrita em BRAGA, Teófilo. Bocage. Sua vida e época litteraria, Porto: Liv. Chandron, 1902, p. 164-165), lê-se (os grifos e os parênteses são nossos):
“nasci na aldeia de Canellas, bispado e comarca de Aveiro, em 17 de Julho de 1763 (data de batismo), filho legítimo de Manuel Fernandes Dias e de sua mulher D. Maria Clara Hybingre, da côrte de Viena de Áustria, filha do capitão de hussards Gaspar Hybingre, muito querido da Imperatriz Maria Thereza, o qual indo à guerra contra os turcos, no estado de viuvo, deixou minha mãe de tenra idade num convento, e a tia d´esta, Madame Ballestri, vindo para Portugal como criada da Snrª D. Marianna de Austria, esposa do Senhor D. João V, tirou minha mãe do convento e a trouxe comsigo para Portugal” (BINGRE, in BRAGA, p.164).
BINGRE é o aportuguesamento ou corruptela de HIBINGER. Até 1860, em Portugal, seguia-se a linhagem matriarcal - nome da mãe – ou a linhagem do pai, no caso de este ter fortuna ou título de nobreza, como no caso de Francisco Joaquim Bingre. O próprio poeta grafa HYBINGRE em vez da grafia austríaca HIBINGER.
“Na opinião de Inocêncio Francisco da Silva e de Teófilo Braga, a mãe do poeta, tendo ficado novamente desamparada pelo falecimento de seus tios durante o terramoto de 1755, teria acompanhado Manuel Fernandes a Canelas, onde se teria então casado com este antigo criado dos Balestri. Não se sabe, nem a data de casamento dos pais do poeta (que teria ocorrido, teoricamente, em qualquer momento entre 1756 e 1762), nem quando terá a família regressado a Lisboa”(ANASTÁCIO, 2000, p. X);
“e porque meu pae era um mediocre lavrador, voltaram para Lisboa a vêr se ahi tinham melhor fortuna; e como minha mãe era muito industriosa e muito habil em negociar em fazendas francezas e indianas, e teve a fortuna de ganhar bons vintens, meu pai voltou para a sua terra a cuidar de suas fazendas” (BINGRE, in ANASTÁCIO, 2000, p.X).
“Destas informações deduziram Inocêncio e Teófilo Braga que D. Maria Ana Clara, valendo-se dos seus conhecimentos no meio cortesão, se teria dedicado ao negócio de fazendas ditas de paquete (ou seja, de contrabando) o que, aliás, parece provável, dadas as proporções que este tipo de negócio adquiriu nas décadas que se seguiram ao terremoto [...]. Apesar de muito pouco se conhecer acerca da infância e da adolescência do poeta, parece certo que terá feito os seus estudos de Latim e de Humanidades com Manuel Pereira da Costa. Os primeiros biógrafos do poeta – Calisto Luís de Abreu e Inocêncio Francisco da Silva – contam ainda que Francisco Joaquim se teria inscrito e frequentado a Aula do Comércio [...] não chegando a terminar o curso” (ANASTÁCIO, 2000, p. X). Em 1790, fundou a Academia de Belas Letras, a Arcádia, de que foi o 1º sócio: “demos princípio à nossa Arcadia [...] eu, primeiro socio, Belchior segundo, terceiro Joaquim Severino [...] e depois, vindo Bocage da India, tomou conhecimento de grande amisade commigo, e entrou para a nossa academia” (ANASTÁCIO, 2000, P. X).
D.Maria Ana Clara Hibinger teria escolhido Ana Maria (Assis) Pires para noiva do filho: “minha mãe me arranjou um casamento em Canelas; e trouxe minha mulher de Canelas para Lisboa, onde vivemos alguns annos, e tivemos uns quatro filhos...” (BINGRE, in BRAGA, p. 165). O poeta “teria vivido na capital, casado, durante nove anos, caracterizando a sua existência durante esse período como a de um frequentador da boémia lisboeta” (ANASTÁCIO, p.X), “a ponto de trez vezes sua mulher se vestir de lucto, julgando-o morto, ou embarcado; e ao fim de oito dias lhe apparecia, rouco e esfalfado de improvisar com Bocage, sendo-lhe necessário estar três dias de cama, a caldos de galinha”(ABREU, 1869, p.198).
“Outro facto é o ter o Poeta consignado as melhores produções sentimentais à sua Marília, com quem tivera trinta anos comércio amoroso. A este respeito lá nos parece árduo de acreditar que fosse ficção poética tanta quantidade de tão excelentes versos. Entretanto, não nos devemos admirar. A Igreja tem canonizado grande número de Santos, que na sua mocidade foram grandes pecadores. FRANCISCO JOAQUIM, dado mesmo que não fosse ficção poética esta mancha em sua vida moral, é certo que tomou por modelo o real poeta Hebreu. E com efeito, se pecou, como DAVID, também como DAVID, confessou o seu pecado, deplorou os erros da mocidade“ (MADAHIL, 1963, p. 206).

Voltou a viver em Canelas. Entre 1801 e 1834, exerceu cargos judiciais de escrivão e tabelião em Vila Nova D`Ànços, Ílhavo e Mira. Foi perseguido pela usurpação miguelista, destituído dos cargos por suas idéias liberais e “vendidos os bens que tinha em Canelas” (ABREU, 1869, p.199).
O poeta Bingre usou os pseudônimos Cisne do Vouga e Francélio Vouguence. Suas obras, arquivadas no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, em Lisboa, somente ali eram encontradas. Em 2000, a especialista Vanda Anastácio editou, pela Lello Editora, a obra completa e vastíssima do poeta Bingre desde 1400 Sonetos, Odes, Epístolas, Edílios, Cançonetas, Epígrafes, Sátiras, Madrigais, Farsas, Canções, Elegias, Poemetos e Fábulas, agora, à disposição nas livrarias. O espólio original e autógrafo do poeta Bingre encontra-se na posse da Dra. Maria de Lourdes Bingre do Amaral e família no Porto, Portugal.

“Senil, caquético, não podia escrever, mas ditava os seus versos ao seu neto, o Pe. Francisco Cardoso Bingre” (FERNANDES, 1939, p.196), “que,com a esmola da sua missa, sustentava a mãi e o avô, e a quem o poeta ditou os últimos lampejos do seu estro” (MADAHIL, 1963, p.305).

O poeta faleceu em 26 de março de 1856 com 93 anos. “[...] no dia 26 de Março de 1933, foram removidas solenemente as ossadas do poeta para o jazigo da família pertencente ao Sr. Augusto Bingre de Sá, no cemitério da vila de Mira. Procedeu-se nessa altura ao descerramento duma lápide na casa onde o poeta viveu inúmeros anos [...] e onde faleceu”(MADAHIL, 1963, p. 312). Em 1962, a Câmara Municipal de Estarreja deu o nome do Poeta a uma das ruas da vila.


BIBLIOGRAFIA:
(1) ANASTÁCIO, Vanda. Obras de Francisco Joaquim Bingre. Vol. I, Porto: Lello Editores, 2000.
(2) MADAHIL, A.G.da Rocha. Notícia do ´Estro do Bingre`(no segundo centenário do do nascimento do poeta)”, separata do Arquivo do Distrito de Aveiro, vol. XXIX, 1963.
(3) FERNANDES, Álvaro. O cisne do Vouga. Arquivo do Distrito de Aveiro n˚ 19, 1939, pp.186-207.
(4) ABREU, Caisto Luiz. Estro de Bingre. Poesias de Francisco Joaquim Bingre. Porto: Imprensa Portugueza, 1869.
(5)BRAGA, Teófilo. Bocage. Sua vida e época litteraria, Porto:Liv. Chandron, 1902

2 comentários:

  1. gostei muito do texto, esta muito bem constituido

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  2. Querida prima, no século XVIII a ortografia onomástica de língua alemã, como de resto a dos outros idiomas, mostrava-se incerta. Por esse motivo o apelido Hybinger também se grafava Hübinger ou Huebinger, dado que a letra 'y' pronunciava-se como tritongo "iue". Um abraço!

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